MPT recebeu 25 mil denúncias de exposição de trabalhadores ao risco de contaminação

Em todo o país, foram abertos 5,6 mil inquéritos para avaliar infrações que vão de risco de contágio a demissões irregulares

SÃO PAULO

Nos 133 dias entre 1º de março e 12 de julho, o Ministério Público do Trabalho recebeu 25 mil denúncias contra empresas e órgãos públicos que estariam expondo trabalhadores ao risco de contaminação pela Covid-19 ou violando direitos trabalhistas.

Esses relatos de suspeitas de irregularidades correspondem 55% de todas as 46,3 mil denúncias recebidas pelas procuradorias do trabalho nesses quatro meses de pandemia. Em 2019, no mesmo período, o MPT apurou 34,3 mil relatos de violação da legislação.

Ao todo, 8,7 mil inquéritos civis foram iniciados desde março e 64% deles apuram descumprimento da legislação e a omissão quanto a proteção dos trabalhadores.

O volume de investigações iniciadas neste ano é menor do que os 9.554 inquéritos iniciados em 2019 no mesmo período.

Desde março, porém, o número de inspeções feitas pelo MPT caiu, uma vez que muitas empresas estavam fechadas ou com atividades suspensas. Equipes de fiscalização, como as que apuram casos de trabalho infantil ou escravo, também tiveram a atuação limitada nos primeiros meses da pandemia.

Dos 5.636 inquéritos iniciados nas procuradorias regionais, 211 acabaram virando ações civis públicas.

O procurador-geral do trabalho, Alberto Bastos Balazeiro, coordenador do grupo de trabalho Covid-19 do MPT, diz que as medidas judiciais estão sendo propostas como último recurso. “A maioria das ações tem a ver com saúde e segurança, para que as empresas evitem o adoecimento [de funcionários] e para cuidar de quem já adoeceu”, afirma.

A prioridade do grupo de trabalho, segundo ele, é a conciliação e a soluções negociadas sempre que possível.

Frigoríficos, bancos, empresas de call center, e aplicativos de entregas e de transportes foram os setores que mais demandaram atenção dos procuradores do trabalho, seja por meio de notificações, mediações ou audiências.

Com esses procedimentos, os procuradores do trabalho tentam reverter demissões em massa e calote de verbas trabalhistas, como as ocorridas na rede de churrascarias Fogo de Chão, e pedem que as empresas sejam obrigadas adotar medidas que garantam segurança dos empregados, como é o caso das ações iniciadas contra frigoríficos e das diversas recomendações feitas a aplicativos de entregas e transportes.

Os motoboys que atendem esses aplicativos fizeram dois protestos para cobrar um valor único mínimo por corrida e o fornecimento de máscaras e álcool em gel.

As empresas que utilizam os serviços foram alvos de ações do MPT em São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza -os procuradores tentam que elas sejam obrigadas a bancar os equipamentos de proteção individual.

No setor de telemarketing, ainda em março, no início da pandemia, operadores fizeram protestos em diversas cidades, como Recife, Curitiba, Goiânia, Belo Horizonte e São Paulo, para cobrar a implantação de escalas e reduzir o número de pessoas nos escritórios, de teletrabalho e o fornecimento de itens de proteção e higiene. Os sindicatos patronal e de funcionários montaram um comitê para monitorar o cumprimento das medidas.

Esses inquéritos e tentativas de mediações deram origem a quase 50 TACs (Termos de Ajuste de Conduta), que são acordos extrajudiciais nos quais as partes se comprometem a cumprir requisitos sob risco de serem multadas.

No setor frigorífico, três das quatro grandes empresas que atuam no mercado de carnes –Marfrig, Aurora e BRF– assinaram TACs com abrangência nacional.

Em Minas Gerais, a Vale fechou um acordo judicial no qual promete testar os trabalhadores de três minas do complexo minerário de Itabira e monitorar novos casos.

A empresa também se comprometeu a implantar distanciamento no trabalho e no transporte dos funcionários e a fornecer máscaras, além de criar uma rotina de substituição e higienização desses equipamentos.

Desde março, quando a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarõu a existência de uma pandemia do novo coronavírus, os procuradores do trabalho enviaram 11.445 recomendações a empresas e órgãos públicos quanto aos procedimentos para garantir a segurança dos trabalhadores.

Balazeiro diz que a prioridade do grupo de trabalho tem sido a mediação, mas que o entendimento dos procuradores é o de que os acordos são mais efetivos.

“A gente tem proposto ações nos estados especialmente para a entrega de EPIs [equipamentos de proteção individual], saúde e segurança. Eventualmente, em alguns casos, pedimos a interrupção da atividade até que seja restabelecida a saúde e segurança dos trabalhadores”, afirma o procurador-geral do trabalho.

O chefe do MPT diz que as empresas precisam ter planos detalhados de contingência.

“A gente quer evitar o improviso relacionado à Covid. Essa questão de afastamento, tipo de máscara, distanciamento, não são coisas empíricas, têm que estar em um plano embasado.”

O setor frigorífico é um que continua a preocupar os procuradores quanto à disseminação do coronavírus entre os trabalhadores.

Na semana passada, o MPT em Mato Grosso determinou a instauração de investigação das condições de controle da pandemia em dez plantas.

Segundo o órgão, há trabalhadores contaminados em oito unidades da JBS e duas da Vale Grande. A apuração também afeta Minerva, Naturafrig e Agra.

Em Mato Grosso do Sul, os procuradores solicitaram inspeção nos frigoríficos Frizelo e Boibrás, nos municípios de Juti e São Gabriel do Oeste. No primeiro, segundo o MPT, testagem apontou a contaminação de 118 funcionários (de 325 empregados).

No Rio Grande do Sul, 6.202 trabalhadores de frigoríficos já foram diagnosticados com a Covid-19, segundo balanço fechado pelo MPT no dia 12 de julho.

Entre os bancos, a Caixa Econômica Federal se comprometeu a organizar as filas para o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600, além de medidas para garantir a segurança dos bancários, como fornecimento de máscaras, viseiras e luvas e o afastamento imediato de trabalhadores com sintomas ou dos grupos de risco.

Não foram só as questões sanitárias que levaram os procuradores a propor ações. As demissões em massa e a aplicação da controversa teoria do fato do príncipe, prevista no artigo 486 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), também resultaram em ações civis públicas.

O tal artigo diz que “no caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável”.

Ao usar esse entendimento, as empresas deixavam de pagar verbas como a multa de 40% do saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e o aviso prévio.

No caso da Fogo de Chão, a empresa anunciou que pagaria o valor integral das rescisões dois dias depois de o MPT no Rio apresentar uma ação de R$ 70 milhões contra a empresa. Houveram decisões determinando a reintegração dos demitidos, mas o TST (Tribunal Superior do Trabalho) suspendeu a determinação.

No Espírito Santo, 178 funcionários da viação Água Branca foram reintegrados após acordo para encerrar uma ação civil pública apresentada pela procuradoria regional do trabalho contra demissão em massa.

OUTRO LADO

A Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) diz que mantém mesas de negociação permanentes com as entid ades sindicais e que os bancos implementaram protocolos com distanciamento, proteção a grupos de risco e distribuição de equipamentos de proteção.

A ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal) afirma que as agroindústrias adotaram protocolos validados pelo hospital Albert Einstein e que os níveis de distanciamento seguem as recomendações da portaria interministerial nº 19 e os TACs firmados com o MPT. Entre os EPIs, diz que as empresas adotaram máscaras cirúrgicas, viseiras e barreiras laterais além dos uniformes habituais, que já incluem luvas e máscaras.

PROTEÇÃO AOS TRABALHADORES

Em março, o MPT criou um grupo de trabalho para monitorar a situação dos trabalhadores quanto ao cumprimento da legislação trabalhista e às garantias de proteção à saúde e contra o coronavírus

DO QUE AS DENÚNCIAS TRATAVAM:

Saúde e segurança
Falta de equipamentos de seguranças, como máscaras, viseiras e álcool em gel
Distanciamento de pelo menos 1,5 m entre colegas de trabalho
Focos de aglomeração no local de trabalho

Direitos trabalhistas
Demissão em massa
Falta de pagamento de verbas trabalhistas
Verbas indenizatórias, como FGTS e aviso prévio, incompletos
Atraso no pagamento

Fonte: Folha de São Paulo, por Fernanda Brigatti, 17.07.2020

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