O corte de despesas do governo atingiu em cheio as atividades do Inmetro, responsável por avaliar a qualidade de produtos como brinquedos e o funcionamento de instrumentos de medição, como balanças e bombas de combustíveis. No ano passado, o orçamento do órgão foi reduzido em 32%, de R$ 679 milhões para R$ 514 milhões. A expectativa para este ano é de mais uma tesourada, de 21%, o que levaria o orçamento a R$ 404 milhões. Em dois anos, as perdas chegam a 40,5%. Resultado: os técnicos dos institutos de pesos e medidas, órgãos estaduais responsáveis pelas fiscalizações, estão fazendo menos visitas de campo. No ano passado, foram realizadas 2,6 milhões de inspeções, 16% menos que as 3,1 milhões de 2014. O órgão prevê mais uma queda, de 20%, já que, em alguns casos, como no Rio, é preciso racionar até gastos básicos, como o combustível dos carros usados nas vistorias.
A crise no órgão afeta atividades que, juntas, movimentam mais de R$ 1 trilhão, considerando apenas os três setores em que as verificações do Inmetro são mais importantes: comércio de grãos, venda de combustíveis e balanças em supermercados.
Com menos recursos, caíram também os repasses aos 26 órgãos delegados, chamados de institutos de pesos e medidas (Ipems) na maioria dos estados. Embora estejam ligados administrativamente aos governos estaduais, esses órgãos dependem do dinheiro compartilhado pelo Inmetro. O repasse mensal aos Ipems, que em 2014 chegou a R$ 45 milhões, caiu para R$ 35 milhões no ano passado. Neste ano, está em R$ 28 milhões por mês, 37% menos que há dois anos.
NO LIMITE, IMPACTO DE R$ 12 BI PARA A ECONOMIA
O corte resulta em escassez e ajustes, afirma o presidente do Ipem-RJ, Manoel Rampini Filho. No cargo há menos de dois meses, ele diz ter assumido o instituto com déficit de R$ 700 mil por mês. Na sede do instituto, na Zona Norte do Rio, já é possível ver indícios da falta de recursos. Em alguns laboratórios, falta ar-condicionado, e equipamentos estão sendo realocados em salas originalmente projetadas para tarefas administrativas. Em outros, técnicos reclamam da falta de medidores de umidade do ambiente e até do tamanho inadequado do ambiente para realizar as medições. Rampini conta que está tentando economizar por meio de adaptações da estrutura. Entre as ações previstas, está a transferência das unidades do Ipem em Nova Friburgo, Volta Redonda e Petrópolis para outros prédios públicos, o que deve gerar economia no aluguel.
— Técnicos estão se deslocando em grupos. Manutenção de veículos, não fazemos mais. Esses procedimentos devem gerar economia de R$ 400 mil — calcula o presidente do Ipem-RJ.
Um estudo do Sindicato da Indústria de Balanças, Pesos e Medidas de São Paulo (Sibapem) tenta calcular o efeito que medidores descalibrados teriam sobre três segmentos da economia: comércio de grãos, combustíveis e supermercados. As perdas chegariam a R$ 12 bilhões, no pior cenário.
A estimativa leva em consideração o faturamento desses três setores em 2014. Naquele ano, o comércio de grãos, como soja e milho, chegou a R$ 750 bilhões. A atividade depende diretamente de medidores de umidade, que determinam os valores dos produtos. Já o segmento de combustíveis — que precisa de bombas devidamente ajustadas para não vender mais por menos — movimentou R$ 223,1 bilhões. No caso dos supermercados, o Sibapem considerou que 80% dos itens vendidos são pesáveis, o que resultaria em faturamento de R$ 236 bilhões. Juntas, as atividades movimentaram R$ 1,2 trilhão em 2015. Os R$ 12 bilhões calculados pelo Sibapem representam 1% do faturamento total. Ou seja, se os instrumentos usados nesses três setores estivessem descalibrados em 1%, esse seria esse o prejuízo potencial.
— Esse cenário de perdas de R$ 12 bilhões é possível, se não houver um controle metrológico. O estudo leva isso ao limite, o impacto não ocorre hoje. Mas cada real que se economiza é uma perda maior — afirma Fernando Filizola, presidente do Sibapem.
O professor do programa de pós-graduação em Metrologia da PUC-Rio Maurício Frota considera o cálculo do Sibapem “simplista”, mas concorda que o corte de orçamento do Inmetro é “absurdo”.
— Na medição, o erro pode ocorrer para mais ou para menos do valor verdadeiro — diz Frota.
ANÁLISE DE BRINQUEDOS TAMBÉM SOB RISCO
O orçamento mais magro tem tornado mais difícil até a tarefa de fiscalizar as condições de segurança de produtos, como brinquedos, que levam o selo do Inmetro. O trabalho não parou, mas apreensões chegaram a ser suspensas por falta de dinheiro para descartar o material de maneira adequada. A alternativa encontrada foi, em caso de necessidade, autuar a empresa, impedindo a comercialização de produtos com problemas.
— Diminuiu o repasse e começou a comprometer a estrutura. Faltam recursos. É inevitável que não aumente o risco (de problemas com instrumentos fiscalizados) — afirma Luís Fernando Panelli Cesar, presidente do Inmetro.
Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da associação de consumidores Proteste, ressalta que a falta de fiscalização prejudica as relações de consumo:
— O risco é que produtos deixem de atender às normas, e o consumidor acabe sendo prejudicado — afirma.