Vida dura do caminhoneiro e redes sociais explicam a força da paralisação – Artigo

Publicado em Folha SP dia 29/05

Num setor pulverizado e com organização fragmentada, revolta virou mobilização articulada

Eles são cerca de 2,3 milhões. A maioria passa 19 dias por mês na estrada, longe da família. As jornadas podem alcançar 24 horas, para cumprir prazos ou parar em um lugar seguro.

Estão sempre em risco. Tomam substâncias prejudiciais à saúde para não adormecer no volante. Se cochilam, o acidente é certo. Enfrentam roubos de carga e violência. Defeito mecânico, congestionamento ou doença no trajeto levam à perda de tempo e remuneração.

Todas as despesas saem do frete: a prestação e seguro do caminhão, alimentação, pedágio e manutenção. E o diesel, estopim da atual mobilização. O que sobra levam para casa.

Segundo Rui Braga, especialista em relações de trabalho da USP, os autônomos, 70% da categoria, auferem em média uma renda mensal de quatro salários mínimos, sem aposentadoria, seguro saúde, FGTS, férias ou 13º. Muitos são “quarterizados”.

Os demais, empregados das mais de cem mil empresas, têm menos despesas, mas a remuneração é ainda menor. Crescentemente têm sido “pejotizados”, ícone da “modernização” trabalhista, perdendo direitos.

Assim, é fácil entender a revolta do caminhoneiro, incendiada pelos reajustes diários do diesel e pela precarização. A revolta virou mobilização articulada, em um setor pulverizado e com organização fragmentada, graças à conexão propiciada pelas redes sociais.

Gerou-se um movimento horizontal, uma bolha imensa sem lideranças expressivas. Esperam ganhos concretos e permanentes, que aliviem suas condições de vida, sem aceitar acordos vindos de cima. O risco é a situação descambar e setores autoritários se apropriarem da crise que essa reivindicação legítima gerou.
Para quem imaginava que a fragilidade dos sindicatos, aprofundada pela reforma trabalhista, e a flexibilização das relações de trabalho amortizariam os conflitos sociais, essa paralisação acende um sinal vermelho.

O movimento se tornará um exemplo para outros setores “pejotizados” e precarizados, sobretudo no setor de serviços, de que a mobilização pode melhorar suas vidas.
Parando o país, os caminhoneiros geram prejuízos imediatos, chamando a atenção do governo, da mídia, do mercado, dos políticos e da sociedade.

Mas outro setor, tão estratégico para futuro do país, também está em greve hoje: os professores da rede particular. Lutam pela manutenção de direitos conquistados há 20 anos, agora ameaçados pelas empresas do setor, crescentemente tomado por multinacionais que mercantilizam a educação.

Se as reivindicações dos professores fossem tratadas com a mesma importância que se deu à pauta dos caminhoneiros, poderíamos ficar menos pessimistas com o futuro do Brasil.

Nabil Bonduki
Arquiteto e urbanista, foi vereador e relator do Plano Diretor Estratégico em São Paulo.

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