Um dia, o empregado esqueceu de bater o ponto. Em outro, estava em serviço externo. No terceiro, caiu o sistema. Quando esse tipo de ocorrência é frequente, a Justiça pode invalidar o registro de jornada em cartões da empregadora e definir o período de trabalho de acordo com relatos de testemunhas.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) atendeu pedido de uma farmacêutica que dizia ter trabalhado mais de oito horas por dia numa rede de drogarias, entre 2011 e 2015. A cobrança de horas extras e outras verbas trabalhistas, fixada em R$ 580 mil pelo juízo de primeiro grau, chegou a R$ 790 mil na corte.
Segundo o advogado Rafael Lara Martins, que atuou no caso, o estabelecimento nunca pagou horas extras corretamente nem permitia o intervalo intrajornada de uma hora. O valor foi alto, diz ele, porque incluiu o pagamento de descanso semanal remunerado sobre todas as horas extras e reflexos em todas as demais verbas salariais, inclusive um terço de férias, 13° salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e aviso prévio indenizado.
Cartões de ponto não foram considerados meios idôneos de prova.
O juízo de primeiro grau havia considerado válidos os cartões de ponto como prova, por não ver motivo para questionar a credibilidade dos registros. Já a relatora no TRT-18, Silene Aparecida Coelho, concluiu que grande parte da jornada foi computada “de forma fictícia”.
Silene citou algumas falhas nos pontos: entre julho e agosto de 2012, por exemplo, o sistema não funcionou em 14 dos 24 dias trabalhados, situação que se repetiu em outros períodos. De julho a agosto de 2011, a empresa anotou que a funcionária “esqueceu de registrar o ponto” em 10 dos 22 dias trabalhados.
“Ressalto que se tais ocorrências tivessem sido eventuais, é certo que não teriam o condão de invalidar o registro de jornada, no entanto elas se deram com muita frequência”, declarou. Ainda de acordo com a relatora, duas testemunhas confirmaram que a drogaria exigia registro de encerramento da jornada no horário contratual mesmo quando os empregados tinham de continuar o serviço.
Assédio
A empresa ainda foi condenada a pagar indenização à autora, por assédio moral, devido a abusos provocados pelo chefe e diante do reconhecimento de que ela sofria “terror psicológico” quando descumpria metas.
A farmacêutica ainda teve reconhecido direito a adicional de 10% de seu salário em razão do acúmulo de funções que não eram próprias da profissão, como operar caixa e limpar a loja. Para o advogado Rafael Lara Martins, a decisão é um importante precedente para o setor, já que muitas farmácias obrigam que farmacêuticos a assumir funções que não lhe são próprias.
decisão : RO-0010040-11.2016.5.18.0016
Revista Consultor Jurídico, 1 de outubro de 2017, 7h50