Confederações nacionais e federações regionais de indústria e comércio receberam em 2016 quase R$ 1 bilhão em repasse de dinheiro público para fazer o que se chama legalmente de “administração superior” de Sesc, Senac, Sesi e Senai, as quatro entidades mais poderosas do Sistema S, ao lado do Sebrae.
A real necessidade desses recursos para a gestão das organizações se torna questionável, contudo, quando se observa que os departamentos nacionais das quatro entidades tiveram orçamento somado de R$ 2,1 bilhões no mesmo ano – numa média de pouco mais de R$ 500 milhões para cada uma -, já descontadas as transferências feitas aos órgãos regionais que atuam na ponta. O recurso disponível é semelhante aos gastos administrativos anuais de empresas como Cosan, Lojas Renner, Azul e Magazine Luiza.
Dentro do próprio Sistema S, o Sebrae é um exemplo de porte semelhante que prescinde de uma entidade de classe acima dele e tem a gestão superior a cargo de um conselho com integrantes não remunerados.A unidade nacional do Sebrae contou em 2016 com orçamento similar ao das congêneres do comércio e da indústria, de R$ 423 milhões após transferência.
Somando os R$ 968 milhões repassados às entidades patronais – que não estão sujeitas a nenhuma prestação de contas – e os R$ 520 milhões cobrados pela Receita Federal (incluindo a mordida sobre o Sebrae) alegadamente para prestar o serviço de arrecadação, são R$ 1,48 bilhão que os contribuintes pagaram para sustentar as cinco principais entidades do Sistema S em 2016, mas que não foram empregados diretamente na operação.
Assim, dos R$ 19,16 bilhões cobrados sobre a folha de pagamento das empresas para sustentar esses cinco serviços sociais autônomos em 2016, R$ 17,68 bilhões foram efetivamente recebidos. As mesmas entidades tiveram receita de R$ 4,43 bilhões com a venda de cursos e outros serviços e mais R$ 2,45 bilhões em receita financeira e imobiliária.
Os percentuais de repasse ao Fisco, confederações e federações estão previstos nos decretos que regulamentaram os serviços, que datam da década 1960.Mas não há um critério claro para os percentuais.
Após o desconto do Fisco, Sesc e Senac repassam 3% para a Confederação Nacional do Comércio (CNC), enquanto 3% da parcela que vai para os estados fica com as “fecomércios” locais. Na indústria, o Senai contribui com 2% da receita total para a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e as federações da indústria ficam com 1% do repasse às unidades estaduais, ao passo que, no Sesi, os índices são muito maiores, de 4% e 7%, respectivamente. Outra diferença é que apenas o Sesi conta com um “conselho nacional”, que fica com mais 1,25% da arrecadação compulsória total, equivalente a R$ 57 milhões em 2016.
“Essa é uma característica que parece que eles herdaram do setor público. Tem uma verba fixa para determinado fim, muitas vezes vinculada. E pronto. Ninguém se pergunta se o dinheiro é necessário ou não”, afirma Arthur Ridolfo Neto, coordenador do curso intensivo de administração da FGV, que embora não seja especialista em Sistema S, fez uma avaliação do cenário sob a perspectiva de gestão empresarial, a pedido do Valor.
Segundo o professor, é importante discutir se toda a verba destinada para a administração superior das entidades é necessária, ou se o dinheiro poderia ser melhor utilizado em programais sociais e educativos de treinamento do próprio sistema S.
Fazendo as contas, no caso do Sistema Indústria – que reúne Senai, Sesi e Instituto Euvaldo Lodi -, de cada R$ 100 que saem do bolso dos empresários na forma de contribuição compulsória sobre a folha de pagamento, R$ 8,6 não são destinados diretamente às próprias entidades. Uma fatia de 7 pontos percentuais fica com a CNI e federações regionais e outros 1,6% já param na Receita Federal (embora a taxa pelo serviço de arrecadação do Fisco seja de 3,5%, as indústrias podem recolher diretamente ao Sistema S, recebendo um desconto de 3,5% na cobrança, caso apliquem os recursos em projetos sociais e educação).
Em termos absolutos, ficaram no caminho R$ 703 milhões em 2016, valor suficiente para custear a folha de pagamento somada de 19 unidades estaduais do Sesi ou todo o orçamento anual de 13 deles, que atuam na ponta prestando serviços à população.
O Valor questionou se a parte dos serviços poderia ser contratada de terceiros, mas as entidades negaram essa possibilidade.
Outra característica que chama a atenção nas contas do Sistema S é o saldo de caixa. A disponibilidade detida por Sesc, Senac, Sesi, Senai e Sebrae ao fim de 2016 era de quase R$ 17,4 bilhões. Entre as companhias abertas não financeiras do país, apenas a Petrobras tinha um caixa acima desse valor na mesma data, de R$ 69 bilhões- a Vale era a segunda, com R$ 13,8 bilhões.
De acordo com Ridolfo Neto, da FGV, nenhuma empresa bem gerida retém percentual tão grande da receita anual em caixa, a não ser em situações excepcionais. “Se as empresas não deveriam fazer isso, o sistema S, menos ainda.” Segundo o professor, ainda que aparentemente o dinheiro parado não tenha um custo para o próprio sistema, esse custo existe para os contribuintes. “O dinheiro do acionista e dos credores das empresas que contribuem não é gratuito”, afirma. Valor Econômico