Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) recebeu com “espanto” as declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre a possibilidade de extinguir a Justiça do Trabalho – feitas na quinta-feira ao SBT – e afirma que o poder executivo não tem respaldo constituicional para tomar tal medida. Noemia Porto, vice-presidente da Anamatra, afirma que as declarações do presidente não têm fundamento e são de “difícil sustentação jurídica”.
– O poder executivo não tem o poder constitucional de atingir a estrutura do judiciário brasileiro. Não pode com uma canetada extinguir a Justiça, seja ela do Trabalho, Eleitoral, a Militar, porque isso fere a própria Constituição. Quando a Constituição prevê direitos, como consumidor, trabalhador e cidadão, também prevê garantias para que sejam cumpridos, com o aparelhamento de um judiciário forte – disse Noemia.
Ponderou, no entanto, que confia no compromisso do presidente Bolsonaro de respeitar a Constituição.
Bolsonaro afirmou que seu governo avaliará a possibilidade de acabar com a Justiça do Trabalho, ressaltando que há um excesso de proteção ao trabalhador e defendeu uma flexibilização de direitos trabalhistas.
– Qual país do mundo que tem (Justiça do Trabalho)? Tem que ter a Justiça comum. Tem que ter a sucumbência: quem entrou na Justiça e perdeu tem que pagar. Até um ano e meio atrás, no Brasil, eram em torno de quatro milhões de ações trabalhistas por ano. Ninguém aguenta isso. É o excesso de proteção – disse.
Noemia rebateu a argumentação do presidente:
– Em primeiro lugar, ele fala do número de ações trabalhistas. Mas se há muitas ações no campo penal, nas varas da fazenda pública você extingue a Justiça? Essa é a solução?
O economista José Márcio Camargo, especialista em mercado de trabalho, ressaltou que a reforma trabalhista, em vigor desde outubro de 2017, já resultou na diminuição da judicialização de conflitos entre empregados e trabalhadores.
Ele disse, ainda, que uma possível extinção da Justiça do Trabalho não causaria prejuízos aos trabalhadores, pois poderão recorrer à Justiça comum:
– O problema da Justiça do Trabalho é que é ineficiente, tem excesso de burocracia. Agora, é preciso saber como será feita essa transição, principalmente a respeito dos processos em andamento.
Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra, diz que por fim na Justiça do Trabalho não reduziria os conflitos trabalhistas:
– Transferir essa competência para a Justiça comum não muda absolutamente este quadro. Se segue a mesma legislação trabalhista e se seguem os mesmos obstáculos no campo econômico, a litigiosidade trabalhista continuará, rigorosamente, a mesma – disse o presidente da Anamatra.
A diferença, ressalta, é que outros juízes passarão a julgar estas causas.Juízes que, hoje, em seus concursos de admissão, sequer são avaliados quanto ao Direito do Trabalho e ao Direito Processual do Trabalho, alertou:
– Tanto na Justiça Federal comum, como nas Justiças comuns dos estados, essas matérias não são sequer mais cobradas.
Segundo Feliciano, se o problema que o presidente da República identifica é o de uma legislação trabalhista excessivamente protecionista, isso nada tem a ver com as atribuições da Justiça do Trabalho, a qual cabe julgar ações baseadas nessass leis.
– Se elas (leis) geram mais mais litígios trabalhistas do que o necessário é isso que deve ser discutido com profundidade junto à sociedade civil e ao parlamento. Há um claro equívoco na relação entre causa e consequência – afirmou Feliciano.
O Globo