Empresa acusada de fraude vendia ilegalmente etanol para postos sem bandeira

Jota

Ivy Farias

23/03/2018 – Depois de três anos de investigação, o Ministério Público de São Paulo ofereceu uma denúncia contra pessoas ligadas à empresa Callamarys, que é acusada de operar um sistema fraudulento que utilizava álcool cujo objetivo deveria ser a fabricação de produtos de limpeza para o abastecimento de postos de gasolina sem bandeira.

Segundo o MP, a empresa, que detém a marca Tupi e é responsável pela produção de produtos das marcas Carrefour, Búfalo, Dia% e Suprema, recebia etanol de origem espúria e obtinha lucros com a venda do material, além de ter compensação de ICMS. Os envolvidos foram denunciados pela prática de organização criminosa, crimes contra a ordem tributária por meio de fraude estruturada e lavagem de dinheiro.

“É gravíssimo”, diz o promotor José Claudio Tadeu Baglio, do Grupo de Atuação Especial de Repressão Ao Crime Organizado(GAECO) em Campinas, que participou da operação Mensageiro, realizada em conjunto com a Procuradoria Geral do Estado e a Secretaria da Fazenda de São Paulo.

Mais de 100 pessoas trabalharam durante três anos para investigar um esquema em que a empresa se “utilizava de uma fraude estruturada para beneficiar a si e a outrem”. “É um processo muito complexo mas que pode ser entendido da seguinte forma: o etanol comprado para fabricar produtos de limpeza era vendido em postos ilegais e as notas fiscais eram modificadas de modo que também os impostos não eram recolhidos”, explica.

O promotor estima que os cofres públicos do estado sofreram um prejuízo superior a R$ 1 bilhão com o esquema, cuja empresa de fachada funcionava em Bragança Paulista. “Também houve busca e apreensão em mais três endereços: Araras, Ibaté e São Carlos”, afirma Baglio, para quem diversas outras empresas pela região atuavam no conluio.

Segundo as investigações, foram falsificadas pelo menos 1.132 notas fiscais relativas à compra e venda de etanol, com a inserção de dados falsos sobre espécie, origem e destinação do produto. Com isso, alterava-se a incidência das alíquotas tributárias correspondentes.

Cassação de inscrição estadual

Segundo escreveram os procuradores do Grupo de Atuação Especial Para Recuperação Fiscal (GAERFIS) em manifestação num processo em que a empresa buscava a normalização de suas inscrições estaduais cassadas, a Callamarys integra um grupo econômico que já em julho de 2016 devia aos cofres públicos estaduais mais de R$ 640 milhões entre débitos inscritos em dívida ativa e autos de infração e imposição de multas já lavrados.

Essas dívidas tributárias milionárias, afirmam os procuradores, não são fruto de inadimplência eventual. “Os débitos atingiram tais valores e aumentam a cada dia por uma razão muito simples: os integrantes do GRUPO HAASTARI simplesmente não recolhem a maior parte dos tributos que declaram, reduzindo drasticamente, e de forma ilegal, seu custo operacional, se qualificando como devedores contumazes, ou seja, devedores que sistematicamente acumulam débitos tributários e não têm qualquer intenção de os quitar”, escrevem os membros da PGE, que listaram cinco tipos de fraudes tributárias distintas no documento.

Ainda assim, em acórdão datado de 7 de fevereiro de 2018 e relatado pelo desembargador Edson Ferreira, a 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu em parte os embargos de declaração interpostos pela empresa. Para o desembargador, “o fisco dispõe de outros meios legais para resguardo de seus interesses fiscais”. O processo é o de número 1017633-86.2016.8.26.0053.

Antes, ao julgar a apelação, Fereirra considerou que “no caso analisado não está demonstrado de plano que a empresa apelante faz parte do esquema apontado como fraudulento dos integrantes do Grupo Haastari, que são devedores contumazes e possuem dívidas tributárias milionárias”.

O relator também argumentou que “falta ainda apurar o valor devido por cada empresa mencionada nos relatórios fiscais e mesmo a fraude fiscal não autoriza o Estado-membro, com base na legislação local, inviabilizar as atividades da empresa, que tem repercussão econômica também nas esferas municipal e federa”.

Voto vencido no julgamento da apelação, o desembargador José Roberto de Souza Meirelles argumentou que considerando o princípio da supremacia do interesse público deveria prevalecer a medida administrativa que cassou as inscrições estaduais.

O argumento de que a persistência da medida importaria em desemprego para um sem-número de pessoas que dependem da empresa, segundo o magistrado, não deve ser acolhido. “A preexistência de dívidas milionárias com o Fisco, qualificando-os como devedores contumazes, constitui o complemento irrejeitável de que a boa-fé não é deveras elemento presente nas ações de sobredita ‘organização’ dita empresarial”, escreveu o desembargador, para quem o procedimento investigativo do Fisco foi meticuloso, lúcido e bem fundamentado.

‘Lamentável’

Para o promotor Baglio, “é lamentável que estas empresas continuem operando no estado de São Paulo e deixando de recolher impostos, fazendo uma concorrência predatória com quem recolhe”.

Também a PGE considera decisões como esta equivocadas, “quando se trata de processo administrativo de cassação de inscrição estadual de empresa que pratica deliberada, serial e sistemática fraude fiscal estruturada (macrodelinquência tributária reiterada), especialmente após o que ficou decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 550769”.

O advogado da Callamarys, Eduardo Ferrari Lucena, respondeu por e-mail os questionamentos feitos pela reportagem do JOTA, e pontuou que não é “lícito ou razoável que o fisco encerre a empresa, impedindo-a de cumprir suas obrigações perante o estado, município e União”.

O defensor alega que ao longo dos dois meses em que ficou sem a inscrição estadual, a empresa deixou de emitir notas fiscais e sofreu graves prejuízos e dificuldades para cumprir suas obrigações comerciais, fiscais e trabalhistas.

“Após aproximadamente 2 anos de discussão judicial a Fazenda Pública do Estado de São Paulo não apresentou o mencionado levantamento fiscal, o que comprova a ilegalidade da cassação das inscrições estaduais”, disse Lucena.

Além disso, “em todo curso do processo a empresa comprovou sua regularidade fiscal perante o estado de São Paulo. O Tribunal também considerou em sua decisão que a Fazenda Pública não comprovou a alegação de que a empresa participaria do mencionado grupo que praticaria ilicitudes tributárias. A Callamarys vem operando normalmente, produzindo e vendendo seus produtos”, ressaltou.

O esquema criado pela Callamarys, diz o promotor Baglio, é lesivo à sociedade não apenas pela fraude ao erário, mas também por oferecer “gato por lebre” ao consumidor, já que só as distribuidoras com licença específica podem comercializar etanol. “Eles têm a a licença apenas de álcool industrial, mas também vendem etanol. É um abuso”.
Fonte: Jota

Ivy Farias

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